Colmeias, cultura e clima: BraÚna e Clube de Mães de Colônia fortalecem serviços ecossistêmicos com apicultura comunitária na Chapada Diamantina

Na semana em que se comemora o Dia Mundial das Abelhas (20 de maio), a comunidade de Colônia, no município de Itaetê, região da Chapada Diamantina, celebra uma conquista marcante: a chegada de 20 kits completos de apicultura, com equipamentos adequados para a criação racional de abelhas, fruto de mobilização popular e da força das organizações comunitárias.

A data, instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU), marca o nascimento de Anton Janša, pioneiro da apicultura moderna, e tem como objetivo sensibilizar sobre a importância das abelhas e de outros polinizadores para a vida no planeta. As abelhas, com sua incansável tarefa de polinização, garantem a reprodução de inúmeras espécies vegetais e são responsáveis diretas por boa parte dos alimentos que chegam à nossa mesa. Pequenas no tamanho, gigantes no impacto, as abelhas são responsáveis diretas pela polinização de cerca de 75% das culturas alimentares globais e de 90% das plantas silvestres com flores (FAO, 2025).

Equipe que participou da recepção local dos kits de apicultura.

© Foto: Mônica Andrade (Coletivo Livros, Veredas, Umbuzeiros)

A importância socioambiental das abelhas e da apicultura comunitária

A criação de abelhas promove a participação e políticas de promoção da igualdade de gênero e geração nas comunidades tradicioanais.

© Monica Andrade, com destaque para a presidenta do Clube de Mães, dona Ana Celia.

Além de seu papel ecológico, as abelhas sustentam modos de vida, culturas e economias locais em diversas partes do mundo. São agentes fundamentais na manutenção da segurança alimentar, no equilíbrio dos ecossistemas e na soberania dos povos tradicionais, especialmente em territórios que vêm enfrentando o avanço das mudanças climáticas, dos desmatamentos, a destruição de habitats e do uso abusivo de agrotóxicos.

Diante de tais cenários, a queda populacional dos polinizadores tornou-se uma crise ambiental silenciosa — mas com impactos diretos sobre a saúde humana, a segurança alimentar e o equilíbrio dos ecossistemas (IPBES, 2016). Nesse sentido, o alerta sobre o declínio das populações de polinizadores — provocado por agrotóxicos, desmatamento, queimadas, mudanças climáticas e monoculturas — mobiliza hoje cientistas, ambientalistas e comunidades tradicionais em todo o mundo.  Segundo o relatório da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), as populações de polinizadores estão em declínio alarmante. As causas principais incluem a perda de habitat, o uso de pesticidas, espécies exóticas invasoras e as alterações climáticas (IPBES, 2016). Por isso, proteger as abelhas é também proteger a vida, os alimentos e a cultura.

A apicultura promove a interação de pessoas das mais diversas gerações e gêneros, garantindo uma alternativa socioeconômica pouco impactante e serve de início para projetos de transição da agricultura convencional e baseada na pecuária expansiva para a de produção agroecológica. Nesse sentido, é atividade subsidiária de restauração de habitats e de troca de saberes na perspectica da inovação tecnológica aliada a atiividades já efetuadas tradicionalmente.

Manejo de polinizadores, autonomia comunitária e justiça climática

A apicultura (criação de abelhas africanizadas com ferrão do gênero Apis) e a meliponicultura (criação de abelhas nativas sem ferrão) têm se destacado como práticas sustentáveis que integram conhecimento tradicional, ciência, o cuidado com o território e o bem estar socioambiental. Quando implementadas com base nos princípios da ecologia humana e da gestão socioambiental participativa, essas práticas fortalecem a soberania alimentar, a autonomia econômica e o vínculo entre as pessoas e a natureza.

Neste contexto, o cuidado com as abelhas é também um cuidado com as culturas e com os modos de vida que sustentam florestas como a caatinga e o cerrado. Proteger os polinizadores é proteger o direito de existir das comunidades e seus ecossistemas.

Em meio a esse cenário, a comunidade de Colônia, no município de Itaetê, região da Chapada Diamantina, celebra uma conquista marcante: a chegada de 20 kits completos de apicultura, com equipamentos adequados para a criação racional de abelhas, fruto de mobilização popular e da força das organizações comunitárias. A demanda nasceu da II Intercâmbio de Agroecologia e Soberania Popular da Chapada Diamantina, realizada em 2024, que reuniu agricultores, jovens, mestres da cultura e movimentos sociais para discutir o futuro da região a partir da agroecologia, da economia solidária e da justiça ambiental gerando a “Carta da Colônia”, documento-base construído através de escutas sensíveis às comunidades e que serve de guia para ações socioambientais localizada,s, especialmente a campanha contra o avanço de mineradoras e a criação da Unidade de Conservação da Serra da Chapadinha.

Foram adquiridos 20 kits compostos de ninhos, melgueiras, uniformes, fumigadores, formões de apicultor e outros utensilhos. Os kits foram adquiridos junto a Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional, em cumprimento ao que se foi solicitado na “Carta da Colônia”.

© Foto: Mônica Andrade (Coletivo Livros, Veredas, Umbuzeiros)

Trabalho coletivo, mobilizações e articulações institucionais promovendo ações

A conquista foi resultado de uma demanda popular apresentada durante a II Intercâmbio de Agroecologia e Soberania Popular da Chapada Diamantina, evento que reuniu camponeses, juventudes, coletivos agroecológicos e mestres dos saberes tradicionais para debater o futuro do território a partir da agroecologia e da justiça ambiental. A partir das proposições ali construídas, a comunidade articulou o pleito junto ao mandato do deputado estadual Marcelino Galo, que coordena a Frente Parlamentar Mista Ambientalista e em Defesa de Territórios dos Povos e Comunidades Tradicionais, destinando uma emenda parlamentar para a aquisição dos kits.

A ação é resultante da parceria entre o Centro BraUna e o Clube de Mães da Colônia, associação formada por mulheres agricultoras, extrativistas e artesãs, que há décadas protagonizam ações de geração de renda e sustentabilidade na região. O processo contou ainda com o apoio logístico da Prefeitura Municipal de Itaetê, que viabilizou transporte, armazenamento e articulação institucional.

Parcerias de longa data: BraÚna e Clube de Mães tem promovido diversas ações socioambientais em redes que conectam a luta socioambiental

Ações para o manejo e a conseração de abelhas nativas foram efetuadas com a parceria BraÚna e Clube de Mães, a exemplo do Curso de Meliponicultura 2023

A parceria entre BraUna e Clube de Mães já produziu diversas atividades promovendo a autonomia comunitária em aspectos relacionados a justiça climática e conservação socioambiental, destacando projetos como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA Emergencial) durante a pandemia Covid-19; captação de recursos junto a Lei Aldir Blanc, ambos em parceria da Casa de Cultura e Cidadania Rosa Preta e o Centro de Pesquias em Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação da Universidade do Estado da Bahia (Opará/Uneb); mobilizações junto ao Ministério Público da Bahia para remanejo de rede elétrica; implementação de cozinha comunitária em parceria com a KombiCura enquanto produto do Plano de Ação Territorial para a Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção Chapada Diamantina-Serra da Jiboia (PAT Chapada Diamantina-Serra da Jiboia); formação de enfrentamento a violência contra mulher, com o projeto Cirandas das Águas em parceria com a Rede Makaia e muitas outras iniciativas de assessoria, consultoria, mobilização e gestão copaticipativa. Em se tratando de conservação de abelhas, promoveram também o Curso de Meliponicultura com mulheres da associação e moradoras da comunidade.

Comunidade envolvida diretamente nas ações garante a plena cidadania e a conquista de direitos

A atuação da BraÚna também envolve a mobilização social para garantir que as colmeias sejam devitamente manejadas, evitando impactos negativos na população das abelhas devido o mal uso dos equipamentos ou formação inadequada. Para isso, será criado um Núcleo de Formação para a conservação de polinizadores, com a intenção de formar, monitorar e oferecer assessoria técnica socioambiental. Nesse sentido, serão escolhidos pessoas que já tenham experiências com o manejo de colmeias de abelhas africanizadas, inclusive de forma tradicional, a exemplo de caçadores de mel.

Os principais beneficiários da ação são:

  • Mulheres associadas ao Clube de Mães, que há anos vêm se capacitando em beneficiamento de alimentos e buscam autonomia produtiva;

  • Extrativistas tradicionais / caçadores de mel, conhecidos localmente como furadores de abeia, tratams-se de guardiões de conhecimentos ancestrais sobre manejo tradicional dos ninhos de abelhas;

  • Pessoas envolvidas na cadeia produtiva do mel, incluindo jovens, agricultores familiares e técnicos que enxergam na apicultura uma alternativa de renda compatível com a conservação da natureza.

Ao promover a criação de abelhas como estratégia de ecologia humana, o projeto reconhece que o desenvolvimento sustentável precisa partir do território, dos saberes populares e das relações de cuidado com a terra. A apicultura comunitária, especialmente quando aliada à meliponicultura com abelhas nativas, fortalece a biodiversidade local, amplia a oferta de alimentos saudáveis, gera renda e promove a autonomia das comunidades tradicionais. Neste contexto, o cuidado com as abelhas é também um cuidado com as culturas e com os modos de vida que sustentam gentes, rios, biomas, vegetação nativa de florestas como as caatingas, a mata Atlântica e os cerrados à medida que promove justiça climática e combate a fome, pobreza, conflitos diante de crises ecológicas e ambientais.

PARA SABER MAIS

Polinizadores Ministério do Meio Ambiente - https://antigo.mma.gov.br/publicacoes/biodiversidade/category/57-polinizadores.html

Abelhas Portal EMBRAPA - https://www.embrapa.br/meio-norte/abelhas

Sem abelhas, sem alimentos - https://www.semabelhasemalimento.com.br/

Plano de Ação Territorial para a Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção Chapada Diamantina-Serra da Jiboia (PAT Chapada Diamantina-Serra da Jiboia) - https://proespecies.eco.br/pat/chapada-diamantina-serra-da-jiboia/

BeeLife - https://www.bee-life.eu/

Global Action on Pollination Services for Sustainable Agriculture (FAO)- https://www.fao.org/pollination/en/

The Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services (IPBES) - https://ipbes.net/

Grupo de Pesquisa Insecta - https://www2.ufrb.edu.br/insecta/

Bees for Development - https://www.beesfordevelopment.org/

Salve as abelhas Greenpeace - https://www.greenpeace.org/brasil/apoie/salve-as-abelhas/

Agradecimentos à leitura e contribuição na feitura do presente texto a Alcione Correia (Toca do Lobo), Iana Landim (SPM), Ticiano Rodrigo (UNEB/BraÚna).